terça-feira, 10 de novembro de 2009

Três lugares vazios

Ontem todos chegaram à UNIPAC como normalmente fazem. Docentes e discentes dirigiram-se às salas de aula. Tudo corria como sempre, até que o céu de Itabira escureceu-se. As águas caíram torrencialmente, o vento cortava de forma violenta por todos os lados. Sem que ninguém esperasse houve uma queda de energia. Os estudates usavam celulares para iluminar a escuridão que pairou sobre a Faculdade. Passou o tempo e a luz não voltou. Os estudantes foram dispensados. Muitos se aglomeraram no pátio externo esperando que a chuva passasse. Outros resolveram se arriscar e foram embora. Dentre eles estavam três estudantes do segundo período do Curso de Educação Física que moravam em João Monlevade e faziam o percurso até Itabira todos os dias.

Ao sair despediram-se dos colegas de curso e seguiram seu caminho. O que ninguém esperava era que essa seria uma viagem trágica. Em João Monlevade a tempestade castigou a cidade de forma mais violenta, ruas toraram-se rios. Quando nossos estudantes chegavam à sua cidade de origem, o pior aconteceu. O carro em que estavam foi tragado pelas águas.

Hoje recebemos com enorme tristeza a notícia de que uma pessoas ocupantes do veículo havia sido encontrada morta e outros dois encontram-se desaparecidos. Foram submergidos no silêncio das águas.

Foi um duro golpe que nos deixou de luto. Três estudantes que com muito esforço e dedicação preparavam-se para ser profissionais da Educação Física. Em nossa memória fica a lembrança dos momentos bons que passamos juntos e a inconformidade com um acontecimento tão inesperado e violento.

Quando retornarmos às aulas encontraremos três lugares vazios que eram ocupados por pessoas com quem convivemos e amamos. Pessoas jovens que ainda tinham muito por fazer nesta existência. Neste momento nos solidarizamos com as famílias e todos aqueles que sofrem pelo apagar repentino de vidas tão iluminadas e choramos a ausência de Néia, Desirèe e Daniel.

domingo, 8 de novembro de 2009

Alunos do segundo período de Educação Física da Unipac Itabira

Caro amigo, neste tópico teremos comentários dos alunos que cursam o segundo período do Curso de Educação Física da UNIPAC- Unidade de Itabira. Esses alunos se basearão nas aulas de Filosofia da Educação, sobretudo nas discussões envolvendo a natureza da Filosofia, seu espírito questionador e a questão do conhecimento como elemento essencial do processo educativo. Para realizar os comentários, seguirão os seguintes critérios:

1- Tema: A relação entre Filosofia, conhecimento e educação no processo educativo e sua importância na formação do docente de Educação Física.

2- A turma se subdividirá em grupos de até cinco pessoas.

3 - As postagens devem conter no mínimo dez linhas e no máximo vinte.

4 - As postagens serão feitas até o dia 20 de novembro às 22 horas.

5 - As postagens feitas com o perfil anônimo conterão no corpo do texto os nomes dos respectivos alunos responsáveis.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Professor Mauríco Cruz na UNIPAC - Itabira

Nessa quinta, dia 05 de outubro, Maurício Cruz, filósofo, professor no Seminário Nossa Senhora do Rosário,em Caratinga e com ampla experiência no esnino superior, estve em Itabira e proferiu uma palestra para os alunos do segundo período do Curso de Educação Física.

Na oportunidade o docente explanou o que pensa a respeito do que seria uma filosofia da educaçao física. O fez baseado na ampla experiência de lecionar por vinte e um anos no Curso de Educação Física do Centro Universitário do Leste de Minas - UNILESTEMG. Filosofar sobre a Educação Física obedeceria ao esquema de pensar suas bases, dentre elas encontram-se o ser humano, dotado de um corpo que movimenta, entendido para além do plano biológico, isto é, dotado de um corpo cultural. há também a dimensão da ética, ressaltada pelo docente, sobretudo nas questões que se referem à conduta do profissional de Educação Física e o posicionamento em escolher não utilizar, ou mesmo incentivar, de expedientes ilícitos como uso de substâncias proibidas para obtenção de resultados em curto espaço de tempo. Outro ponto abordado pelo docente diz respeito à questão dos valores, dentre eles encontra-se o valor à vida, muitas vezes deixado de lado em nome de um suposto espírito olímpico ou esportivo.

Ao final de sua explanação, o professor Maurício relatou aos alunos presentes um pouco de sua experiência com a extensão universtária acontecida no Vale do Aço. Segundo ele, durante a execução de um projeto de iniciação científica, cujo princìpal objetivo era o de fazer um levantamento das atividades esportivas praticadas por crianças e adolescentes de bairros periféricos de Ipatinga. Mediante os resultados apresetados, esse projeto desdobrou-se em várias outras atividades nas quais alunos e professores de Educação Física se envolveram por meio de extensão universitária.

A presença do professor Maurício foi de grande valia e pode proporcionar aos alunos da UNIPAC um importante momento de reflexão e aprofundamento de conhecimentos referentes à Educação Física a partir da abordagem filosófica.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Fracasso Escolar ?


Ontem estive com os professores da Escola Estadual Mestre Zeca Amâncio (EEMZA) a convite de meu caríssimo amigo, professor Gilmar. Esse encontro integrou uma série de outros que fazem parte de um projeto dessa escola no sentido de oferecer aos docentes espaço de capacitação e aprimoramento.

A temática a ser desenvolvida dizia respeito à subjetividade no processo de ensino-aprendizagem. A partir daí, julguei por bem abordar a obra do francês Bernard Charlot, intitulada Da Relação com o Saber: elementos para uma teoria. Esse autor trata da educação a partir da ótica da sociologia, ou mais especificamente, da Sociologia da Educação.

Nesse sentido, a primeira afirmação da qual partimos causa certo estranhamento, pois parte do princípio de que o Fracasso Escolar simplesmente não existe. Não existe enquanto objeto de pesquisa sociológico. A explicação para tal afirmação vem da compreensão de que é um objeto inatingível. Sobretudo, se levarmos em consideração que a gama de significados aos quais o mesmo remete guarda uma grande complexidade, inviabilizando os intentos de obter um conhecimento adequado sobre o tema. Some-se a isso o fato de o mesmo ser utilizado de forma ideológica, para não dizer superficial, para tratar da dimensão dos desafios enfrentados por professores, diariamente, em suas classes desde o ensino fundamental até o médio.

O caminho metodológico para abordar o fracasso passa por outro viés, não mais institucional, ligado ao termo escolar, mas pelo plano da subjetividade, isto é, dos sujeitos envolvidos no processo, de maneira especial os alunos. Trata-se de uma abordagem que parte de baixo para cima, dos sujeitos à instituição escolar. Sendo assim, o que há na verdade são alunos em situação de fracasso. São sujeitos que naufragam na empreitada escolar.

Esses sujeitos são constituídos por sua abertura ao mundo. São portadores de desejos que se direcionam tanto a si próprios quanto aos outros sujeitos e instituições. São singulares em sua história e na maneira com interpretam o mundo a sua volta ao mesmo tempo em que participam da esfera social, ocupando lugares e funções com suas respectivas expectativas e sanções coletivas. 

Esses sujeitos possuem relações de saber e com o saber. A primeira diz respeito à relação com o conhecimento objetivo, traduzido nos meios escolares em forma de conteúdos sistematizados e sobre os quais se cria a expectativa de que o aluno consiga “dominar”ao final dos processos educativos. O segundo diz respeito às relações, isto é, às mediações que esse sujeito estabelece com o saber. Na relação com o saber o sujeito não se coloca de forma passiva, está presente, antes de tudo, em sua singularidade, no seu modo próprio de compreender e interpretar o mundo a partir das interações que estabelece com outros sujeitos. Daí decorre que esses sujeitos estabelecem uma relação com o saber a partir da esfera subjetiva, isto é, o aprender associa-se aos significados internos portados, em outras palavras, a subjetividade representa um papel fundamental no processo.

Essa perspectiva nos abre os olhos para o fato de que não há uma uniformização nos tempos dos sujeitos. Os alunos não aprendem da mesma forma, não sentem as mesmas coisas, não estabelecem relações interpessoais padronizadas. Não se pode esperar que ao final de um processo medido em semestres, etapas ou anos, que os alunos de uma turma tenham um conhecimento objetivo homogêneo.

Por outro lado, descortina-se também a perspectiva da importância do papel do educador nesse processo. Ele, na condição de sujeito social, também estabelece relações com seus alunos de maneira a favorecer ou não um aprendizado satisfatório de seus alunos.

Para finalizar, gostaria de destacar que essa conversa com os professores da EEMZA pôde me proporcionar um aprofundamento de olhar acerca da grandeza e das dificuldades dessa profissão que abracei. Posso dizer que injustamente, talvez por ignorância, circula na bocas das pessoas e nos meios de comunicação a atribuição das mazelas da educação ao professor. Toda escola e toda sala de aula são universos habitados por sujeitos complexos. Não se pode lançar um olhar em perspectiva rasa, ao mesmo tempo em que aos professores, mais do que nunca, se impõe a tarefa da pesquisa e da educação do olhar para lidar com a complexidade da ação educativa, mesmo com baixos salários e condições desfavoráveis.

Parabéns ao Prof. Gilmar pela iniciativa!
Parabéns aos professores que não se eximem da tarefa de educar mesmo em condições tão adversas!  

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Dia de Finados

No dia de finados os cemitérios ficam cheios. As pessoas transitam entre túmulos. Muitos ali para prestar homenagem à pessoas que já partiram, outros tantos, curisosos, passam os olhos nas inscrições tumulares. Observam as fotografias, calculam a idade com que a pessoa declinou dessa vida, observam famílias que descansam das agruras da vida em um mesmo lugar.

Entre o caminhar entre túmulos há que se participar da missa, encomendar as almas dos fiéis defuntos. Durante esse evento, os corações se apertam, muitas lágrimas rolam pelos rostos daqueles que sentem a dor da ausência que não se completa. Mas o padre fala de esperança, fala de ressurreição. As pessoas se confortam com essas palavras, pois acreditam que um dia vão se encontrar novamente com os que já partiram.

Pastores evangélicos também transitam entre os túmulos, fazem orações junto de suas ovelhas e, igualmente, confortam com palavras que apontam a eternidade como morada perpétua e Deus como amor supremo e senhor da história.

No meio dessas pessoas há um ateu, que também transita entre os túmulos, observa as datas, os nomes, os parentes que dividem o mesmo jazigo. Contudo, não se interessa pelas palavras religiosas que se espalham por todo ambiente. Está ali pensando na miséria da vida, na pequenez humana e nas vidas que se perdem, pois as pessoas não percebem que ela passa muito depressa. Vivemos sem perceber a beleza da simplicidade, sem encontrar felicidade duradoura,  numa sucessão de frustrações.

Com palavras religiosas ou não, o que conta é, neste dia de finados, lembrar que reservar um espaço do calendário para relembrar a morte é, ao mesmo tempo, momento de refletir sobre a vida. Para que no final, em nosso último suspiro, possamos olhar pra trás e dizer: "Valeu a pena."

domingo, 1 de novembro de 2009

Cosmopolita: Ética e Religião em Emmanuel Lèvinas

Cosmopolita: Ética e Religião em Emmanuel Lèvinas

Ética e Religião em Emmanuel Lèvinas

O presente artigo tem por objetivo trabalhar o tema da ética e da religião em Emmanuel Lévinas, procurando apresentar a importante contribuição do autor para esse tema. Nesse sentido o percurso adotado foi de uma breve incursão pela formulação do discurso ético passando pela relação entre modernidade e religião no intuito de apresentar o ambiente de interlocução do autor. Finalmente destaca-se a importante contribuição de Lévinas no sentido de construir um pensamento que procura estar fora dos padrões dos discursos ontológicos e é capaz de apresentar a idéia do infinito presente nas relações éticas baseadas no primado da alteridade.

Palavras-chave: Ética, Religião e Alteridade.

1. Ética

Lévinas em seu trabalho desenvolve o tema da ética de forma diferente de como a mesma foi desenvolvida no Ocidente. Mesmo considerando as várias mudanças pelas quais passou ao longo do tempo. Para ele a ética assume uma posição privilegiada, tornando-se o núcleo a partir do qual não se pode esquivar quando, sobretudo quando o assunto é a ontologia.

Antes de tratar desse tema em Lévinas talvez seja interessante fazer um breve apanhado, em linhas gerais do percurso da ética no Ocidente. Esse recurso se faz interessante na medida em que nos permite perceber com mais clareza de que forma Lévinas distancia-se das formulações clássicas e oferece uma importante contribuição nesse campo.

A ética pode ser definida como ciência do agir humano. Ou ainda como a ciência do ethos. Nesse caso diz respeito a um conhecimento referente à ação humana. Essa, por sua vez, circunscrita na cultura. Dessa forma está entrelaçada com da dimensão simbólica e valorativa do ser humano. O ethos pode ser visto como um lugar próprio do humano, sua casa, em que deve haver certa organização para que o mesmo sinta-se em um lugar que lhe pertence, isto é, que não lhe seja hostil. Deve-se ressaltar que o objetivo do esforço empreendido pela ética diz respeito à construção da realização do ser humano.

Em Abbagnano, ela é definida como ciência da conduta destacando-se duas acepções para a mesma.
1ª a que a considera como ciência do fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que considera como a ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar essa conduta. Essas duas concepções, que se entremesclaram de várias maneiras da Antiguidade e no mundo moderno, são profundamente diferentes e falam duas línguas diversas. A primeira fala a língua do ideal para o qual o homem se dirige por sua natureza e, por conseguinte, da “natureza”, “essência” ou “substância” do homem. Já a segunda fala dos “motivos” ou “causas” da conduta humana, ou das “forças” que a determinam, pretendendo ater-se ao conhecimento dos fatos. (ABBAGNANO, 2003)
O que se pode perceber nessa posição é a presença de algo exterior ao ser humano que faz referência à ética. Essa forma de pensar a ética está relacionada à metafísica, isto é, de acordo com o momento histórico faz referência ao Ser, ao Bem e também a Deus. Fazendo essas referências a ética busca se apoiar, como é próprio do pensamento ocidental, nos conceitos formulados para tratar dessa exterioridade de referência para a conduta humana.

Lançando um olhar mais abrangente, para tentar captar a linhas gerais do desenvolvimento da reflexão ética ocidental, Pegoraro propõe dividir a história da ética em dois grandes momentos originários, definidos por ele em interiorização e objetivação da ética.
O primeiro, desde a Antiguidade, acompanha a constante subjetivação da ética. Nesta fase, a mais longa de todas, a ética abrange só o universo humano: universalidade restrita a uma só espécie de seres.
O segundo, muito recente, segue um caminho inverso: é a objetivação da ética, cuja origem não será mais a interioridade da razão mas a objetividade, por exemplo, a comunicação lingüística ou a relação entre pessoas. Esta fase é uma enérgica reação à ética solipsista e intimista de Kant. Uma notável característica deste segundo momento é a extensão da ética a todas as realidades da natureza, as formas de vida e o meio ambiente onde se desenvolvem. (PEGORARO, 2006)
Correndo o risco de cometer uma violência com Lévinas, a partir dessa divisão proposta por Pegoraro, poderíamos situá-lo no segundo momento. É importante ressaltar essa posição uma vez que Lévinas direciona grandes críticas à filosofia ocidental, sobretudo quando o assunto diz respeito à ontologia. Situá-lo no segundo momento em que a reflexão ética assume característica de ampliar sua extensão já nos serve de indicação da profundidade do pensamento levinasiano e sua grande contribuição para nosso tempo.

2. Religião e modernidade


O objetivo de tratar da temática da religião em relação à modernidade se faz no sentido de procurar esclarecer elementos importantes para tratar do tema da ética e da religião em Lévinas.

Como dito anteriormente, Lévinas encontra-se em um momento histórico no qual há um movimento, a partir da reflexão ética, de superação das formulações de autores modernos, como é o caso de Kant. Por outro a religião teve em grande medida uma relação tensa com a modernidade o que resultou em grande medida no descrédito da mesma. Nesse sentido é importante verificar esse embate para mais a frente destacar a contribuição de Lévinas.
Com o advento da modernidade, uma nova ordem simbólica começa a se impor e, pelos meios disponíveis à razão, a idade moderna passou a ser capaz de revelar a verdadeira natureza do mundo, bem como a própria natureza do homem. Com o transcorrer da modernidade, a razão foi comparada a uma luz capaz de iluminar toda escuridão na vida da humanidade. A religião foi concebida como uma espécie de miopia que obscurece o olhar iluminado, que somente a razão pode proporcionar. A Idade Média foi interpretada como a Idade das Trevas, vista como uma interrupção do curso natural da história, que teria fluido naturalmente no mundo antigo. Atenas se tornou a verdadeira herança do homem moderno. Era preciso começar do nada, negando qualquer certeza que não pudesse se sustentar diante do tribunal da razão autônoma, que cria sua própria realidade no ato do pensar. (SOUZA, 2005)
A modernidade procura ser uma maneira diferente de viver o tempo. Afastando-se de uma interpretação teológica o sujeito moderno é autônomo e procura apoiar-se em sua razão. O tempo é linear, isto é, a compreensão da ciência moderna do mesmo se expande de tal forma que o tempo sagrado e as formulações teológicas ficam encolhidas.

O religioso ganha ares de coisa velha, ultrapassada, uma vez que faz parte do moderno que sempre haja o novo. A novidade é apoiada na idéia do contínuo progresso da razão. Existe na modernidade uma grande confiança de que este progresso é real e contínuo. Em outras palavras, seria questão de “tempo” para que a razão respondesse a todos os questionamentos humanos. Nessa situação a religião que privilegia a tradição e se baseia em uma compreensão do tempo que é sagrado acaba sendo vista como coisa ultrapassada.

A religião é vista como miopia na medida em que na sua formulação original não se apóia na idéia de um sujeito autônomo. Ela se baseia em uma compreensão de exterioridade ao sujeito. Nesse sentido o sujeito autônomo moderno, rejeita as formulações que não derivam da luz de sua razão. Em tempos mais recentes o crescimento desse fenômeno ganha o status de privatização do sagrado.
A guinada moderna do sujeito é central para uma compreensão mais plena do sentido e do significado da modernidade para o pensamento ocidental. O sujeito adquire uma prioridade em relação a toda e qualquer alteridade. Fruto de um longo processo, a guinada da modernidade possui uma orientação subjetiva que enfatiza o sentido de superioridade e- por que não – uma certa inexauribilidade do ser humano. A modernidade representa a transição de uma metafísica transcendente, fundada em uma matrix teológica, para uma filosofia transcendental, concebida por Kant. Essa filosofia concebe o ser humano como epistemologicamente superior. A revolução copernicana do pensamento kantiana é, de algum modo, o coroamento da guinada moderna para o sujeito. A idéia subjacente a essa nova concepção é a convicção de que tudo que é outro ao sujeito, em última instância, deriva do próprio sujeito. O sujeito do conhecimento encontra-se no centro de todas as operações intelectuais. (SOUZA, 2005)
A virada epistemológica que a filosofia moderna opera com a conseqüente centralização do sujeito tem como conseqüência uma grande mudança quando o assunto é a produção de sentido para a vida humana. Se na Idade Média esse sentido era religioso, com a modernidade não será mais. Uma categoria muito utilizada para representar essas mudanças trazidas pela modernidade, sobretudo com relação ao dado religioso, é o que se costuma denominar secularização. Ela representa a mudança ocorrida entre um tempo no qual o sagrado abrangia todos os espaços e gradativamente vai deixando muitos deles ao poder “profano.”

O que nos interessa é perceber que o terreno no qual Lévinas desenvolve sua reflexão é justamente o campo pós-moderno. Isto é, diz respeito a um terreno resultante dos embates entre religião e modernidade. Onde a secularização avançou de forma surpreendente. Um terreno no qual as promessas e esperanças de progresso e plenitude apregoadas no início da modernidade fracassaram. O sujeito autônomo não foi capaz de encontrar sustentação a partir de sua própria racionalidade. Esse ambiente oferece sérias demandas de reflexão em torno da ética e da religião.

3. Ética e religião em Lévinas

Lévinas está preocupado em fazer uma filosofia que fora dos padrões da ontologia. Isto é, seu caminho é de oposição ao solipsismo constituído na modernidade. O caminho da filosofia no ocidente passou pela dura crítica das pretensões metafísicas do passado e o progressivo abandono dos modelos que ela apregoava. Surgem humanismos que em grande medida procuraram resgatar os antigos modelos. Porém, Lévinas procura dar um passo além, caminhar em outra direção diferente daquela do saudosismo dos clássicos.

Ao longo de sua reflexão, Lévinas mantém diálogo com o pensamento de Husserl e Heidegger. Esse diálogo se dá no sentido de interrogá-los, confrontá-los e progressivamente contestá-los na medida em que apresenta sua posição.

Sua proposta é desvencilhar a filosofia das amarras da ontologia. Sua proposta é o reconhecimento da ética como filosofia primeira. Nesse sentido o ponto fundamental sobre o qual Lévinas propõe constituir esse edifício ético é a alteridade.
Salvo para outrem. Nossa relação com ele consiste certamente em querer compreendê-lo, mas esta relação excede a compreensão. Não só porque o conhecimento de outrem exige, além da curiosidade, também simpatia ou amor, maneiras de ser distintas da contemplação impassível. Mas também porque, na nossa relação com outrem, este não nos afeta a partir de um conceito. Ele é ente e conta como tal. (LÉVINAS, 2005)
O encontro com o outro, ao contrário do que se pode conceber a partir da ontologia, é sempre abertura. Nesse sentido não pode ser apreendido em um conceito. Lévinas reconhece que existe um excesso no outro que não pode ser captado de forma definitiva. A relação com outrem é sempre aberta, possui um movimento dinâmico que não cessa.
A procura do outro homem ainda distante já é relação com ele, relação em toda sua retidão – tropo específico da aproximação do próximo, a qual já é proximidade. Eis que surge algo diferente da complacência nas idéias que se afinam como o particularismo de um grupo e seus interesses. Sob as espécies da relação com o outro homem que, proletário, na nudez de seu rosto, não pertence a nenhuma pátria, surgem uma transcendência, uma saída do ser e assim, a própria imparcialidade, pela qual, especialmente, tornar-se-á possível ciência na sua objetividade e humanidade à guisa de eu. (LÉVINAS, 2008)
O discurso ontológico do ser acaba sendo violento. Lévinas procura não ser logocêntrico e nesse sentido é que utiliza expressões como des-inter-essamento e rosto para expressar sua compreensão da ética a partir da alteridade. Pela primeira expressão ele pretende dizer que a ética como filosofia primeira não se constitui a partir de discursos logocêntricos, isto é, a partir de conceitos. Isso se dá uma vez que todo conceito é sempre uma tentativa de fazer uma síntese no tempo. Toda síntese é fechada. Do ponto de vista da ética o conceito não é capaz de apreender toda abertura e dinamicidade representada pelo outro, daí que sempre deixa escapar grande parte dessa compreensão. Nesse sentido a Lévinas utiliza a expressão rosto, para designar uma significação sem contexto. Essa por sua vez demonstra a proximidade com o outro. Essa proximidade se dá no sentido de que o ser humano não poder esquivar-se do rosto do outro. É sempre um rosto a interperlar. O rosto do outro questiona daí Lévinas vai dizer que esse questionamento, essa provocação não pode ficar sem resposta, de maneira que há na relação interpessoal a responsabilidade pelo outro.
Questionamento que não significa uma queda no nada, mas uma responsabilidade-pelo-outro, responsabilidade esta que não é assumida como poder, responsabilidade à qual de imediato fico exposto, como um refém; responsabilidade que significa, no fim das contas, até no âmago de minha “posição” em mim, minha substituição a outrem. Trata-se de transcender o ser sob as espécies do desinteressamento! Transcendência que chega sob as espécies de uma aproximação do próximo sem retomada de fôlego, ao ponto de ser-lhe substituição. (LÉVINAS, 2008)
A responsabilidade pelo outro é compreendida em Lévinas com a essência humana. Essa essência não é um conceito mas uma posição de abertura. O outro é sempre um ele e nesse sentido sempre escapa de qualquer conceitualização. Em função disso que a responsabilidade em lugar de oferecer a posse do outro coloco o sujeito em situação de refém. Refém não no sentido de o outro manter um domínio, mas pelo fato de o outro ser sempre um ele o único caminho para que ele se manifeste é a relação ética, desprovida de conceitos e promovida a partir de um encontro no qual haja a nudez do rosto, isto é, que o rosto interpele e seja ouvido. A relação com o outro não se dá como conhecimento, não é uma apreensão do outro, mas se dá como responsabilidade, como eleição, como acolhimento e escuta.

Lévinas não tem uma ética com conteúdo. Ele joga o leitor sempre no chão do vivido, isto é, no chão fenomênico onde as relações acontecem. Do ponto de vista da linguagem Lévinas acredita que o sujeito não é capaz de atribuir significado na linguagem, apenas na comunicação, isto é, no encontro com o outro, pois o rosto do outro é dizer permanente e não dito. Por essa razão ele adverte que o dito deve ser desdito. A prioridade sempre recai na dinâmica das relações que não cessa.

Do ponto de vista do tema da religião em Lévinas vai ser elaborada de forma diferente. Ele não trata a religião de forma institucional, ela passa também pela relação ética. Acerca do discurso sobre Deus ele não é um discurso sobre um saber, mas, diz respeito a um discurso sobre uma relação. Ele procura mostrar que o discurso sobre Deus não é logocêntrico e por essa razão se faz a partir de uma experiência na história.

Para tratar do tema de Deus e Lévinas parte do tema do infinito. Este foi tido na filosofia como um absurdo. Tornou-se um tabu, pois em uma filosofia logocêntrica não há espaço para se tematizar o infinito. Sobretudo se levarmos em conta a grande dificuldade encontrada até então em realizar alguma experiência relacionada à idéia do infinito.

Em Descartes podem-se encontrar algumas reflexões em torno do tema. A novidade de Lévinas é que sua filosofia é uma filosofia do abismo, pois aponta para uma abertura que o conceito não ousa apreender. Essa abertura é representada nas relações interpessoais, pelo excesso representado pelo rosto do outro. Em outras palavras o infinito se mostra no rosto do outro, uma vez que há sempre uma novidade que se põe em relevo toda vez que na nudez do rosto acontece uma relação. Dessa forma pode-se concluir que para Lévinas religião é essencialmente o processo de saída de si e encontro com o outro. Pois é a partir do rosto do outro, do encontro com ele que posso fazer uma experiência da idéia do infinito.
A relação com outrem, portanto, não é ontologia. Este vinculo com outrem que não se reduz à representação de outrem, mas à sua invocação, e onde a invocação não é precedida de compreensão, chamo-a religião. A essência do discurso é oração. O que distingue o pensamento que visa a um objeto de um vínculo com uma pessoa é que neste se articula um vocativo: o que é nomeado é, ao mesmo tempo, aquele que é chamado. (LÉVINAS, 2005)

4- Considerações finais

Diante do quadro atual das reflexões éticas, Lévinas possui destaque por sua proposta de uma filosofia do abismo. Pensar a ética com filosofia primeira em lugar da ontologia contribui significativamente como um caminho promissor após a morte do sujeito moderno. Por outro lado o pensamento de Lévinas apresenta-se como um ponto interessante de convergência entre ética e religião. Esse acontecimento torna-se relevante na medida em que se baseia na escuta no outro e tem a alteridade como fundamento.

O pensamento Levinasiano pode parecer uma utopia, entretanto não deve ser desconsiderado em um momento no qual há um certo cansaço dos sistemas e das conseqüências que isolam o ser humano em nosso tempo. Sem dúvida é um pensamento que merece especial atenção e pode contribuir muito para que as relações interpessoais sejam colocadas em primeiro plano permitindo que o olhar esteja atento à abertura ao infinito que não pode ser apreendido em nenhum esquema conceitual e exige a predisposição de nudez frente à experiência do excesso representando pela alteridade.

Referências

LÉVINAS, Emmanuel. De Deus que me vem à idéia. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.


__________________. A ontologia é fundamental? In: LÉVINAS, Emmanuel. Entre Nós: ensaios sobre a alteridade. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2005.


PEGORARO, Olinto. Ética: dos maiores mestres através da história. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2006.


SOUZA, José Carlos Aguiar de. O projeto da Modernidade: autonomia, secularização e novas perspectivas. Brasília: Líber Livro Editora, 2005.

Ensino Religioso em Itabira

A abordagem do Ensino Religioso (ER) apresenta diversos desafios. Trata-se de um assunto que ao longo do tempo encontra-se envolvido em uma série de questionamentos tendo como pano de fundo, quase constante, as questões que tangem a separação Igreja e Estado. O fato é que, mediante a tensão gerada pelos questionamentos citados acima, o ER passou por processos de reconstrução e busca de uma identidade própria. Dentro do contexto do mundo atual, no qual as diferenças são tidas como valores, e onde as distâncias diminuíram, devido ao advento das novas tecnologias a diversidade cultural e religiosa existente pode ser acessada e conhecida, isto é, as possibilidades de encontro com o diverso, com o diferente aumentaram significativamente.

Na busca de redefinição de sua identidade o ER tem pela frente o desafio de demonstrar sua plausibilidade nesse mundo. Nesse sentido, do ponto de vista legal a legislação federal, na LDBN nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no artigo 33, alterado pela lei nº. 9.475, de 25 de julho de 1997, encontram-se critérios e parâmetros para o ER que contemplam a diversidade religiosa e vetam o uso do proselitismo. A Rede de ensino de Minas Gerais, na lei 15434 de 05 de janeiro de 2005, segue o mesmo padrão com relação à diversidade religiosa e ao proselitismo no ER. Esta lei estabelece em seu primeiro artigo que o ER faz parte do ensino fundamental em todas as séries ou anos dos ciclos. Dessa forma, as redes municipais mineiras constituem-se como importante espaço para o desenvolvimento do ER, uma vez que as mesmas se ocupam primeiramente do ensino fundamental.

Assim sendo, a proposta deste artigo é a de apresentar o andamento da pesquisa de mestrado, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, cuja temática está ligada ao ER e sua relação com o pluralismo religioso e tem como título: Pluralismo e Educação: A formação dos professores de Ensino Religioso da Rede Municipal de Educação da cidade de Itabira. Essa pesquisa vem sendo realizada com os professores de ER que atuam no Município Mineiro de Itabira, que fica a 99 km da Capital, Belo Horizonte.

O percurso que adotaremos nesse artigo passa, primeiramente, por uma apresentação do local onde a pesquisa está sendo realizada. Procurando explicitar elementos da história e da vida da cidade de Itabira e que nos permitem uma melhor compreensão do atual contexto educacional e religioso do Município. Depois continuaremos com uma breve reflexão sobre o ER relacionado com o pluralismo religioso, no intuito de explicitar qual a linha que adotamos na realização da pesquisa com as opções dos teóricos e a escolha de nos situarmos na perspectiva da teologia do pluralismo religioso. Por fim, a proposta é procurar elucidar o perfil dos professores de ER do Município a partir da apresentação de dados coletados em entrevistas relacionadas com a perspectiva da teologia do pluralismo religioso.

Um pouco da História e do Contexto Social e religioso de Itabira

As origens do município remontam ao século XVIII, época em que ocorreram as primeiras descobertas de ouro de aluvião. A busca, sobretudo pelo ouro, bem como de outras riquezas minerais, como as esmeraldas, marca as origens de Itabira. Sua história, como relata Lima (2002) está ligada, no século XVII com a presença de indígenas e também a vida rural. Vindos de outras localidades, atraídas pelas atividades de mineração do ouro de do ferro. Pequenos grupos de famílias fixaram residência nas localidades do atual Município e ali viveram executando também atividades de coleta de plantas e cultivando produtos agrícolas com o intuito de garantir sua subsistência.

Antônio Rodrigues Arzão figura como nome importante nas origens do Município, pois em 1694, esse paulista nascido em Taubaté, levantou provas da existência de ouro na região onde hoje se situa a cidade de Caeté, que fica há 77 Km de Itabira, levando-se em conta o fato de que esta última antes de emancipar-se pertencia à Vila da Nova Rainha, hoje Caeté. Esse fato impulsionou os paulistas na busca de ouro na referida região.

As comitivas de bandeirantes e exploradores aumentaram na região. As vilas da Capitania de São Paulo se esvaziaram e o caminho de Minas era percorrido dia e noite, a pé ou no lombo de mulas. Da Bahia um considerável número de pessoas desceu, atraídas pelos fantásticos negócios que estavam sendo feitos com os paulistas que pagavam altos preços pelos gêneros de necessidade. A notícia chegou a Portugal e uma considerável massa de gente composta por judeus, ciganos, cristãos novos, militares, fidalgos empobrecidos, negociantes, artífices e camponeses vendia tudo o que tinha e atravessava o Atlântico, cegos por ambição pelo ouro do interior do Brasil. (Itabira, 2006, p. 64)

A propagação da notícia de que havia ouro na região de Caeté chamou a atenção para uma região na qual não havia muita perspectiva de extração de metais nobres. O fato é que antes da descoberta de Arzão, já houvera esforços de outras expedições que percorreram o Rio Doce e também o Rio das Velhas durante o século 17 a procura de ouro e de esmeraldas, porém, sem obter sucesso. A descoberta de ouro na região da cidade de Caeté aproximou as expedições de onde hoje está Itabira.

Quando e qual foi a primeira bandeira ou explorador a chegar ainda é motivo de controvérsia. Para não alongar o debate, citando diversas fontes, podemos chegar a um consenso aceito pela maioria dos historiadores. O território foi percorrido pela primeira vez por uma bandeira paulista por volta de 1700, a mineração começa em 1705 e o povoamento e a colonização se iniciam em 1720, com a chegada dos irmãos Farias de Albernaz. (Itabira, 2006, p. 65)

A versão da chegada dos irmãos Albernaz a Itabira mais difundia foi a de que os mesmos estando estabelecidos na região da Serra Cabeça de Boi, onde atualmente se encontra a cidade de Itambé do Mato Dentro, avistaram o pico do Itabira e, guiando-se por ele, chegaram onde se considera o marco zero da cidade. Como se pode perceber no trecho a seguir:

Os Albernaz, estando estabelecidos na Serra Cabeça de Boi na região de Itambé, atravessaram 10 léguas de florestas, guiados unicamente pelo pico do Itabira, chegaram a uma nascente à qual deram o nome de Fonte de Prata. Acompanhados de seus colonos e escravos percorreram córregos, recolheram ouro e se estabeleceram na região. Foram seguidos por outras famílias e exploradores motivados pela esperança de uma vida mais próspera. Junto com a mineração de aluvião se desenvolveu a plantação de roças e criação do gado para suprir as necessidades locais. (Itabira, 2006, p. 65)

Nesse local onde chegaram os irmãos Albernaz, em 1705, com a chegada do Pe. Manoel do Rosário e de João Teixeira foi construída uma pequena capela em honra de Nossa Senhora do Rosário. Sobre os primeiros anos de vida do arraial que se formou em torno da exploração do ouro de aluvião não se tem um conhecimento mais aprofundado que permita saber de forma específica como ocorria o trabalho de exploração do ouro em Itabira ou mesmo qual a quantidade do metal nobre que havia no local.

Após essa época ocorre o esgotamento do ouro de aluvião, porém, em 1781, João Francisco de Andrade e Francisco Costa Lage encontram ouro em grande quantidade na encosta do pico do Itabira. Posteriormente o Pico do Itabira passou a ser chamado e conhecido como Pico do Cauê.

Do século XVII até ao XX ocorre o fim do ciclo do ouro e a cidade passa assistir ao surgimento e queda de forjas e de duas indústrias têxteis. Contudo, um dos fatos mais significativos da sua história foi a criação e implantação da Companhia Vale do Rio Doce, que passou a ocupar o centro da vida comercial e de geração de renda do Município. O que gostaríamos de ressaltar dessa história é que a cidade, apoiada em uma economia baseada da mineração, desde as origens conservou uma forte tradição católica. Somente recentemente surgiram outras igrejas de tradição evangélica que atualmente procuram se firmar nesse espaço.


Ensino Religioso e Pluralismo

A partir da implantação da República (1889) o ER passa a ser questionado, tendo como pano de fundo as discussões que giram em torno da separação entre Igreja e Estado. Esses questionamentos propiciaram o surgimento de esforços no sentido de se conceber o ER não mais como catequese eclesial. Entretanto, o mesmo continua sendo pensado fazendo referência à alguma confissão religiosa, daí resulta a denominação de modelo confessional. Em 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), nº 4.024, ocorre a homologação deste modelo. (OLIVEIRA, 2007)

Mais recentemente, outra mudança significativa ocorre no período que vai de 1986 a 1996, pois o mesmo representa uma fase de crise cultural na sociedade, que por sua vez possui reflexos na escola e conseqüentemente no ER. Isso se dá com um processo de rupturas com as concepções vigentes de educação e o surgimento de um ambiente de incertezas (PCNs, 1997). Nesse cenário o grande desafio para o ER é redefinir sua identidade.

Nessa tarefa, o ER tem pela frente um panorama religioso que também passa por mudanças. A Igreja Católica não é mais hegemônica nem mantêm as mesmas relações com o aparelho estatal como em outros tempos. Surgiu uma nova consciência religiosa decorrente do pluralismo cultural e religioso. A diversificação do campo religioso brasileiro e a mentalidade do Estado secular fazem com que o modelo confessional encontre dificuldades para se manter.

Atualmente, existem esforços no sentido de construir uma proposta de ER diferente do modelo confessional. Nessa perspectiva, podem-se citar dois exemplos significativos. A proposta do ER como educação da religiosidade. Esta por sua vez, entendida como dimensão fundamental do ser humano. Um representante dessa linha é Wolfgang Gruen, que compreende a religiosidade como a atitude de abertura dinâmica que o ser humano realiza em direção do sentido radical de sua existência. Outra proposta é que procura fundamentar o ER no modelo das Ciências da Religião, baseando-se na argumentação de que os estudos realizados nesse campo constituem-se como área de conhecimento que podem sustentar o ER como disciplina escolar, como pode-se perceber em Passos (2007).

Nesse sentido, a presente proposta de pesquisa pretende focalizar os professores de ER do município mineiro de Itabira que atuam na rede municipal na área urbana. Esta cidade foi instalada no ano de 1833, localiza-se a 99 km da Capital, Belo Horizonte, e possui extensão de 1.256,50 Km2 . A cidade conta com 30 escolas municipais, das quais, dezessete encontram-se na área urbana. Dessas dezessete escolas, em quatro delas o ER é ministrado nas séries finais do Ensino Fundamental como disciplina específica. A escolha desse município se faz em virtude, sobretudo, de duas razões. A primeira de o mesmo ser referência para outros municípios vizinhos. A segunda pelo fato de o pesquisador possuir residência no local, onde atua na referida rede como professor de ER. O que possibilita um maior acesso aos dados que se procuram estudar nesta pesquisa.

Pode-se dizer que existe a tendência de construir uma proposta de ER fora dos modelos catequético e confessional. Essa por sua vez relaciona-se com pluralismo religioso na medida em que procura deixar para trás o horizonte no qual o estudo da religião é entendido como algo exclusivo do universo das tradições religiosas.

A adoção de um modelo ou outro passa por uma questão de formação, isto é, refere-se a uma relação de conhecimento. Uma formação que contemple o pluralismo religioso oferece maiores possibilidades de o professor adotar posturas que se colocam fora dos horizontes catequético e confessional.

O pluralismo religioso pode ser tratado sob dois aspectos, isto é, como pluralismo de fato e como pluralismo de princípio, que também pode é conhecido como pluralismo de direito. “O pluralismo religioso de fato diz respeito à própria pluralidade ou diversidade de tradições existentes e, mesmo, aos movimentos religiosos que estão emergindo no final do século passado e princípio deste.” (PANASIEWICZ, 2007, p. 114). O pluralismo de princípio nasce como uma provocação da diversidade religiosa para a teologia. A teologia do pluralismo religioso representa o esforço de se construir uma compreensão pluralista a partir da teologia, que utiliza como fundamento teológico a concepção de que a pluralidade faz parte do desígnio de Deus. O pluralismo religioso de princípio adquire grande relevância, pois, de modo diverso do pluralismo de fato, ultrapassa o simples reconhecimento da diferença entre as religiões para o reconhecimento de que cada uma, em sua diferença, possui algo de irrenunciável.

Na linha da nova reflexão teológica sobre o pluralismo religioso, as religiões são compreendidas não apenas como genuinamente diferentes, mas também autenticamente preciosas. Há que honrar essa alteridade em sua especificidade particular. E honrar a alteridade é ser capaz de reconhecer algo de irredutível e irrevogável nestas diversas tradições; de captar o valor e a plausibilidade de um pluralismo religioso de direito. (TEIXEIRA, 2005, p. 30)

A partir da análise dos dados sobre as religiões no Brasil, recolhidas durante o censo de 2000 e que apresentam uma grande maioria que se declara de pertencimento cristão, há pesquisadores que afirmam não existir pluralismo religioso no Brasil. Entretanto, deve-se destacar que,

A forma de ser católico no Brasil é bem distinta do modo de inserção em outros lugares. Os processos de dupla filiação religiosa, de trânsito e sincretismo são comuns no Brasil, e nem sempre os censos conseguem captar tal realidade. (TEIXEIRA, 2005, p. 29)

Nesse sentido, mesmo que as religiões não cristãs representem uma pequena minoria, há que se levar em conta a complexidade do pertencimento cristão brasileiro. Esse caráter complexo permite pensar o campo religioso brasileiro a partir do referencial do pluralismo ainda que dentro de um universo onde o cristianismo se apresente como religião de maior expressão numérica.

Toda essa discussão constitui um novo ramo na teologia, denominada teologia do pluralismo religioso, que por sua vez, desperta interesse de estudiosos do campo das Ciências da Religião. É a partir dessa perspectiva que se pretende abordar a questão do pluralismo religioso, ou seja, a partir das discussões provenientes da teologia do pluralismo religioso.

Com relação ao ER um importante marco é representado pelo artigo 33 da LDBN 9.393. O mesmo, em sua redação original, trata do ER de forma a permitir a possibilidade da Confessionalidade. Entretanto, em 1997, este artigo é alterado pela lei 9.475 e passa então a vetar o proselitismo e privilegiar a diversidade. Essa lei representa uma importante mudança de perspectiva na forma de se conceber o ER.

A partir de 1997, com a revisão do artigo 33 da LDB, estabeleceu-se nova concepção para o Ensino Religioso. Seu foco deixou de ser teológico para assumir um perfil pedagógico de re-leitura das questões religiosas da sociedade, baseado na compreensão de ‘área de conhecimento’ e orientado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. (OLIVEIRA, 2007, p. 58)

O modelo catequético está estreitamente ligado à vida das confissões religiosas e nesse sentido possui características de ser uma educação da fé. Educar a fé significa nesse modelo o ensino da doutrina e dos valores específicos das religiões que este modelo pode estar vinculado. Representa a reprodução de uma confissão religiosa, em outras palavras, visa catequisar, formar fiéis. O que se denominou modelo confessional, é compreendido ainda ligado à uma confissão religiosa, porém situado em um contexto pluralista.

O pano de fundo dos modelos catequético e confessional está ligado às relações que a Igreja católica estabeleceu com a modernidade e também com outras Igrejas. Com relação ao modelo catequético há a seguinte situação:

Com o advento da modernidade e, no seio de seu processo, da reforma protestante, a catequese vai adquirir cada vez mais um aspecto racional e apologético, como defesa da verdade, seja na luta entre as Igrejas cristãs, seja entre essas e a razão autônoma moderna que se expande e se afirma. (PASSOS, p. 56, 2007)

O Concilio Vaticano II constitui-se como outro importante marco para o ER, pois a partir do mesmo a Igreja Católica reafirma sua missão junto às escolas, porém de uma maneira adaptada à realidade. Ela utiliza o argumento da liberdade religiosa para chamar as autoridades civis ao dever de promover a educação religiosa dos alunos, de acordo com os princípios morais e religiosos das famílias. Nesse sentido o Concílio Vaticano II oferece uma importante contribuição para superar os modelos catequético e confessional. (PASSOS, 2007, p. 56).

Diante do horizonte do pluralismo o ER não pode permanecer indiferente. Nesse sentido as reflexões da teologia do pluralismo religioso parecem ser de extrema importância para a formação de professores e também para atender a atual redação da LDBN que privilegia a diversidade.

O perfil dos professores de Ensino Religioso de Itabira

Durante os meses de março e abril de 2009 foram realizadas entrevistas com os professores de ER que atuam na Rede Municipal de Itabira. O grupo pesquisado compõe-se de sete pessoas. Destes há somente dois homens. Dois são licenciados em Filosofia, um licenciado em Filosofia e bacharel em Teologia, um licenciado em História, um licenciado com habilitação para Geografia e História e um licenciado em Letras.

Sob o aspecto da formação complementar à graduação, há um que cursou pós-graduação em Ciências da Religião na modalidade à distância, um com pós-graduação em Metodologia do Ensino Religioso na modalidade presencial, um com pós-graduação em Psicopedagogia na modalidade presencial, um cursando pós-graduação em Metodologia do Ensino Religioso na modalidade à distância e dois que não possuem pós-graduação. Com relação à realização de cursos de pós-graduação em nível Strictu Sensu não foram encontrados registros entre os pesquisados.

Os professores pesquisados atuam em cinco escolas do Município, a saber: E. M. Antonina Moreira, E. M. Professora Didi Andrade, E. M. José Gomes Vieira, E. M. Antônio Camilo Alvim e E. M. Professora Marina Bragança de Mendonça. O roteiro elaborado pautou-se na metodologia de entrevista semi-estruturada, constituído por perguntas que procuraram elucidar qual o perfil formativo dos professores, bem como aspectos de sua atuação docente procurando relacionar com um possível conhecimento acerca das discussões que ocorrem no âmbito da Teologia do Pluralismo Religioso.

Perguntados se desde a graduação já havia a intenção em lecionar ER, todos responderam negativamente. Dois disseram terem sido convidados por terem vínculo com a Igreja Católica, os demais disseram que se encaminharam para esse campo devido a oportunidades que surgiram em algum momento da vida profissional. Esse dado revela uma situação preocupante uma vez que quando há intenção em se tornar professor de ER desde a graduação as possibilidades de uma formação mais completa aumentam significativamente.

Com relação à compreensão do ER dentro da grade curricular, as respostas dadas apresentaram que há entre os professores o desconhecimento acerca das discussões relativas aos modelos existentes. Para planejar as aulas os dados coletados informam que os professores devem ter iniciativa própria, pois, mesmo havendo uma proposta curricular, a mesma não é de conhecimento deles. Some-se a isso o fato de que a Rede Municipal não adota nenhum livro didático e os professores procuram elaborar o próprio material de acordo com as possibilidades de seu próprio conhecimento.

Acerca da percepção do professores com relação ao reconhecimento de diversidade religiosa entre seus alunos, os dados apresentados revelam que a maioria é composta por católicos, seguidos de evangélicos de várias denominações, sobretudo pentecostais. Com relação à tradições não cristãs os professores relatam que praticamente não existem e sobre religiões de matriz africana existe certo preconceito e muitas vezes são taxadas pelos alunos como coisa do “diabo”.

Perguntados se em sua formação tiveram oportunidade de estudar e conhecer elementos que caracterizam a diversidade religiosa brasileira as respostas são, em sua maioria de que não houve um aprofundamento nesse sentido. Apenas aqueles que fizeram pós-graduação em Metodologia do Ensino Religioso e Ciências da Religião, relatam terem tido oportunidade de um estudo mais sistematizado nesse nível de ensino.

Com relação ao pluralismo religioso, pode-se constatar entre os professores que há desconhecimento do que vem a ser. Os relatos apresentados revelaram muito mais um discurso acerca de pluralidade de religiões, isto é, da existência da diversidade religiosa, sem, contudo apontar para o reconhecimento de um pluralismo de princípio.

Com relação à Rede Municipal os professores relataram que não há um trabalho específico de capacitação e aprofundamento, isto é, de preparação dos professores de ER. Ressaltaram ainda que existe uma demanda nesse sentido e também de que haja uma melhor articulação entre os próprios professores para que haja um trabalho mais eficaz e que atenda a demanda dos estudantes.

Feitas as explanações acima pode-se dizer que o perfil dos professores de ER que atuam na Rede Municipal de Itabira é composto por professores oriundos de áreas de formação diversas. Têm dificuldade em conceber uma proposta curricular. Desconhecem as discussões atuais que ocorrem no Campo das Ciências da Religião, sobretudo com relação à Teologia do Pluralismo Religioso e apresentam uma demanda formativa nesse sentido.

Referências

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FERREIRA, Diva. Memórias: Itabira – Minas. Belo Horizonte: O Lutador, 1999.

FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino religioso. São Paulo: Ave Maria, 1997.

ITABIRA. Prefeitura Municipal. Atlas de Itabira, 2006.

LIMA, José Carlos Fernandes. A sociedade Civil de Itabira na década de 90 e a democratização do poder local: avanços e dificuldades. 2002. 123f. Dissertação (Mestrado em Administração pública) – Escola de Governo – Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte.

OLIVEIRA, Lilian Blanck, et al.Ensino Religioso no Ensino Fundamental. São Paulo: Cortez, 2007.

PASSOS, João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo: Paulinas, 2005.

PASSOS, João Décio. Como a religião se organiza: tipos e processo. São Paulo, SP: Paulinas, 2006.

PASSOS, João Décio. Ensino Religioso: construção de uma proposta. São Paulo: Paulinas, 2007.

PANASIEWICS, Roberlei. Pluralismo Religioso contemporâneo: diálogo inter-religioso na teologia de Claude Geffré. São Paulo: Paulinas, 2007.

SANCHEZ, Wagner Lopes. Pluralismo Religioso: As religiões no mundo atual. São Paulo: Paulinas, 2005.

TEIXEIRA, Faustino Luiz Couto. Teologia das religiões: uma visão panorâmica. São Paulo: Paulinas, 1995.

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